RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS NA EXECUÇÃO FISCAL, O ARTIGO 135 DO CTN E O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – IDPJ

Análise do art. 135 do CTN – inclusão dos sócios no polo passivo da execução fiscal e a desconsideração da personalidade jurídica.

 

O artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966[1], estabelece quem são os terceiros pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes as obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

A problemática que envolve o referido artigo de lei se apresenta a partir de sua interpretação quando da inclusão dos sócios-administradores nas execuções fiscais distribuídas em face da pessoa jurídica, sem que se demonstre efetivamente os requisitos necessários para a responsabilização.

Isso porque, conforme acima descrito, a responsabilidade dos sócios administradores depende da prática de ato com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatuto. Deste modo, a inclusão dos mesmos no polo passivo da execução fiscal, deve preceder de minuciosa análise dos requisitos taxativos do artigo 135, que são necessários para configurar a responsabilidade pessoal.

Ocorre que a doutrina e principalmente a jurisprudência patinavam quanto aos fatos que levavam a conclusão de que determinada pessoa jurídica havia agido com abuso de personalidade, o que gerava séria insegurança jurídica.

Almejando essa segurança, o legislador criou um instituto legal por meio do qual se determinou quais atos praticados pelo sócio administrador resultam na desconsideração da personalidade jurídica.

Tal previsão está expressa no artigo 50 do Código Civil[2], o qual recentemente foi alterado pela Lei n°13.874, de 20 de setembro de 2019[3], que se ocupou em conceituar o que é o desvio de finalidade e confusão patrimonial, atos que caracterizam o abuso da personalidade:

Art.50 –  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

  • 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
  • 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

  • 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
  • 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
  • 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (NR).

Delimitado o alcance e os conceitos de desvio de finalidade e confusão patrimonial, necessário que se observe o rito para que se comprove a ocorrência de tais atos.

A partir dessa premissa, foi criado no Código de Processo Civil[4] de 2015, artigos 133 a 137, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por meio do qual, se apura os atos praticados pelo sócio, respeitando o direito ao contraditório e a ampla defesa e ao final, se confirmado o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, a execução será direcionada para responsabilização pessoal do sócio administrador.

Neste sentido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já sinalizou imprescindível para comprovação do abuso da personalidade e posterior aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a realização do incidente processual:

A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional que reclama o atendimento de pressupostos específicos relacionado com a fraude ou abuso de direito em prejuízo de terceiros, o que deve ser demostrado sob o crivo do devido processo legal”. (STJ, 3003).

Porém, em total discordância com os dispositivos de lei e rito processual adequado, os magistrados vêm incluindo, sem as legalidades formais de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, os sócios-administradores como sujeitos passivos em execuções fiscais, sob a alegação de que o incidente não se coaduna com as regras específicas da Lei de Execução Fiscal. Nesse sentido, temos os seguintes julgados:

EXECUÇÃO FISCAL – Inclusão de sócio no polo passivo da demanda – Insurgência contra a decisão que determinou a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes dos arts. 133 e seguintes do NCPC, para apreciar pedido de inclusão do sócio administrador no polo passivo da cobrança – Descabimento – Incidente que não se coaduna com as regras específicas da cobrança dos créditos públicos, disciplinadas pela Lei nº 6.830/80 – Precedentes desta 15ª Câmara de Direito Público – Recurso provido.

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2222581-30.2019.8.26.0000; Relator (a): Erbetta Filho; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de São Bernardo do Campo – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/10/2019; Data de Registro: 18/10/2019)

Agravo de Instrumento – EXECUÇÃO FISCAL – INCLUSÃO DOS SÓCIOS DA EXECUTADA NO POLO PASSIVO DA COBRANÇA – Insurgência contra a decisão que determinou a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes dos arts. 133 e seguintes do NCPC, para apreciar o pedido de inclusão dos sócios no polo passivo da demanda. Descabimento Incidente que não se coaduna com as regras especificas da cobrança dos créditos públicos, disciplinadas pela Lei nº 6.830/80 – Recurso Provido.

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2199659-92.2019.8.26.0000; Relator (a): Burza Neto; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de São Bernardo do Campo – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 04/10/2019; Data de Registro: 04/10/2019)

Apesar do quanto prescrito no Código de Processo Civil, esse entendimento jurisprudencial vem afastando a aplicação do IDPJ sob alegação de que a Lei de Execução Fiscal n° 6.830/80[5], por ser lei especial, se sobrepõe à lei geral, no caso, o CPC.

Para aplicar a teoria de conflito de normas, esses julgados partem de uma premissa de que existe no caso concreto antinomia, isto é, a coexistência de normas vigentes e eficazes que determinam comando contraditórios entre si, justificando a aplicação da especialidade para preterir uma norma em detrimento da outra.

Contudo, essa premissa se mostra absolutamente falsa, na medida em que, apesar de seu conteúdo especial, a Lei de Execuções Fiscais não trata em nenhum artigo, parágrafo ou alínea, sobre a responsabilidade de terceiros, muito menos sobre o rito para que este terceiro venha a ser incluído no polo passivo da execução fiscal, ao que inexistente qualquer conflito entre as normas.

Diante da manifesta insegurança jurídica que a ausência de norma gerava sobre a sociedade no tocante a inclusão de terceiros no polo passivo das execuções, veio o legislador e criou o IDPJ, trazendo ao ordenamento jurídico as balizas para se promover a desconsideração, garantindo ao terceiro a ampla defesa e o contraditório.

Assim, em não havendo qualquer conflito entre normas e a despeito do artigo 1º do CTN que prevê a aplicação subsidiaria do Código de Processo Civil, entendemos que é de rigor a aplicação do IDPJ também para os executivos fiscais, sendo esta aplicação a única forma de garantir a adequada aplicação do artigo 135 do CTN e da novel redação do artigo 50 do Código Civil, garantindo, assim, o direito constitucional da ampla defesa e do contraditório.

[1] Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

[2] Lei nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

[3] Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências.

[4] Lei n° 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015

[5] Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências

 

 

 

Juliana Bordon, sócia na Advocacia Moro, Boreggio e Figueiredo, graduada em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Americana (FAM) e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito.

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