A AMPLIAÇÃO DO ROL DO ARTIGO 62 DA CLT.

A inclusão do teletrabalho pela Lei 13.467/2017.


Define-se jornada de trabalho como sendo o período diário em que o empregado está trabalhando ou à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens deste. Segundo o doutrinador Gustavo Filipe Barbosa Garcia, a jornada de trabalho possui natureza jurídica de ordem pública, tendo em vista o notório interesse social em sua limitação, sendo garantido, desta forma, a saúde e dignidade do empregado.i

A CLT, em seu artigo 58, prevê o limite de oito horas diárias de trabalho, enquanto a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XIII, permite pactuação diversa mediante compensação de horários e redução da jornada. A compensação só é possível, no entanto, desde que respeitado o limite máximo de quarenta e quatro horas semanais e com previsão expressa em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Na inexistência de normas com esta previsão, todo trabalho que ultrapasse os limites de oito horas diárias ou quarenta e quatro horas semanais será considerado extraordinário e deverá ser remunerado como tal.

Referida jornada deve ser registrada em um documento de controle, usualmente chamado de cartão-ponto, no qual o empregado anotará seu horário de entrada e saída, além do intervalo para refeição e descanso. A partir da anotação fidedigna do empregado, caso haja labor extraordinário, a empresa o computará e o remunerará com o adicional mínimo de 50%, podendo existir negociação diversa em norma coletiva.

Em regra, é dever de todo empregado anotar a jornada de trabalho corretamente e dever da empresa remunerá-lo pelo labor extraordinário realizado. No entanto, referido preceito carrega três exceções, todas estipuladas no artigo 62 da CLT:

Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

III – os empregados em regime de teletrabalho.

Parágrafo único – O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).ii

Assim, os empregados mencionados no artigo 62 não possuem fixação de jornada de trabalho e, consequentemente não precisam anotá-la em documento de controle. Entretanto também não lhes são garantidos os pagamentos extras pelo tempo que permanecerem à disposição, em sobreaviso, prontidão ou pela supressão dos intervalos intra e/ou interjornadas, além de não ser devido o adicional noturno ou direito à hora noturna reduzida.

O primeiro grupo excluído são os empregados que exercem atividades externas incompatíveis com a fixação de horário de trabalho. Neste tipo de atividade, exercida por exemplo por vendedores externos, é impossível ou muito difícil fixar uma jornada de trabalho a ser cumprida pelo empregado e efetivamente controlá-la, uma vez que o trabalho não ocorre sob qualquer fiscalização ou supervisão do empregador.

Assim, conforme ensina a doutrinadora Dra. Vólia Bomfim Cassar, estes empregados são excluídos do Capítulo II da CLT, em razão da impossibilidade de mensuração da quantidade de trabalho desenvolvido por dia, haja vista o tipo e modo de realização da atividade, não existindo possibilidade de controle da jornada por nenhum meio, seja por cartão ponto, mensuração de tarefas, visitas ou negócios realizados. iii

Desta forma, extrai-se que se existir forma de fixação e controle de jornada de empregados que exerçam atividades externas, estes não serão abarcados pela exceção do artigo 62 da CLT, sendo requisito absoluto a incompatibilidade e/ou impossibilidade de realização do mencionado controle e mensuração.iv

O segundo inciso trata dos empregados que exercem cargo de gestão, função que pode ser compreendida como destinada a empregados que possuem grau elevado de responsabilidade e autonomia, além de fidúcia especial com o empregador, o representando em certas oportunidades. v

No entanto, para ser abrangido no rol de exceção, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo em discussão, entende-se que o empregado em cargo de confiança deve receber uma gratificação de função de 40% ou mais do salário efetivo ou receber salário em valor diferenciado, em quantia consideravelmente superior ao que recebem os seus subordinados.

Por fim, a Lei 13.467/2017, em vigor desde 11.11.2017, ampliou o rol taxativo do artigo 62 para incluir na exceção os empregados em regime de teletrabalho.

Sendo assim, os empregados em regime de teletrabalho, ou seja, aqueles que exercem atividades laborais preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de telemática, também não possuem fixação de jornada e não têm direito ao pagamento pelo eventual trabalho extraordinário realizado.

O principal fundamento utilizado para a inserção desta categoria no artigo 62, foi que esses trabalhadores exercem a maioria de suas atividades à distância, longe do controle e da supervisão do empregador, se assemelhando à situação prevista no inciso I, dos trabalhadores externos com incompatibilidade de fixação e controle de horário.

Mencionada inclusão foi criticada no meio jurídico, pois, conforme defendem os Drs. Vólia Bomfim Cassar e Leonardo Dias Borges, diante das novas tecnologias que permitem contato em tempo real entre empregado e empregador, o teletrabalho tem sido cada vez mais controlado e fiscalizado. vi

No entanto, a inclusão tem um sentido lógico, afinal, apesar deste regime de trabalho ser exercido majoritariamente em computadores e em redes conectadas com a empresa, é dificultoso o efetivo controle do tempo laborado pelo empregado, eis que o simples “login” em meios telemáticos ou sistemas não significa, automaticamente, que o empregado está efetivamente exercendo suas atividades laborais.

Diante da controvérsia gerada, tem-se que a exceção prevista no inciso III, do artigo 62, da CLT, carrega uma presunção relativa de impossibilidade de controle de jornada, presunção esta que pode ser elidida por prova em sentido contrário.

Neste sentido, entende-se que caberá ao empregado se desincumbir do ônus probatório de demonstrar que, por algum meio de controle, o empregador fiscalizava o horário de trabalho exercido, o que lhe garante o direito às regras sobre a jornada de trabalho.

Conclui-se, portanto, que apenas quando existir prova da possibilidade do controle de jornada deste empregado pelo empregador é que ele será excluído do rol de exceções do artigo 62 e considerado como regra, possuindo direito ao recebimento pela jornada extraordinária eventualmente laborada e demais garantias do Capítulo II da CLT.

 


i GARCIA. Gustavo Filipe Barbosa. CLT comentada – 3a ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo; Método, 2018. pág. 84.
ii BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, alterada pela Lei 13.467/2017. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto- Lei/Del5452.htm>.  Acesso em 30.08.2018.
iii CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho – 12a ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. pág. 674.
iv GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho – 12a ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. pág. 939.
v CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista – 2a ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. pág. 51.

 

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*Ana Carolina Folster Lopes, advogada, sócia no escritório AMBF Advogados.

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